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O processo eleitoral no Brasil chegou ao fim. Nesta etapa pós-eleições, este blog continuará acompanhando as análises e desdobramentos da participação dos evangélicos (e da dimensão religiosa) no pleito 2010.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

O segundo turno das eleições e a ameaça do submundo

Por Antonio Carlos Ribeiro

A três dias das eleições presidenciais, em caráter plebiscitário, a opinião pública defronta-se com o acirramento da confusão generalizada, dos discursos ameaçadores, da mordacidade irracional – ainda mais assustadora na boca de jornalistas televisivos – intensificada com a teimosa normalidade democrática, com as notícias atemorizadoras que não se concretizam. E nem são desmentidas. Também não se espera que todos creiam em tudo que está publicado, especialmente nos grandes veículos de comunicação. A intenção deliberada é que o leitor sinta-se horrorizado, desanime da esperança depositada num regime democrático, ceda ao clima de terror criado e financiado pelos centros de poder econômico. E, alcançada certa eficiência, embarque na central de boatos, rendendo-se ao caos pretendido.
A confusão reinante é resultado de uma estratégia, única alternativa à democracia que resiste, não se instabiliza com as chamadas dos jornais e nem se assusta com as ameaças. Para que alcançasse essa eficiência, a campanha recebeu muitas doações, foi organizada com apoios financeiros e políticos, estruturou-se com acesso direto à grande mídia, que refundiu informações desencontradas e simulou uma ordem. Perversa.
O nicho inicial integra ressentidos, conservadores, moralistas, fundamentalistas e capazes de ações extremas como a Tradição, Família e Propriedade (TFP), a organização católica tradicionalista, conservadora, reacionária e anticomunista.
À TFP somaram-se monarquistas, saudosistas que veem a democracia como a deturpação do império que cedeu espaço à República há mais de 120 anos, sob a influência dos integralistas, um partido político de classe média e inspirado no fascismo italiano, os camisas verdes, e a ala ultraconservadora da Igreja Católica paulista.
Com traços ideológicos semelhantes e métodos parecidos, essa conjunção de forças tem atuado num esquema de difamação e distribuição de informações falsas nos subterrâneos da campanha presidencial. Com um discurso que confronta o pluralismo, espaço cada vez mais reduzido nos regimes democráticos e índices de rejeição que crescem com a melhoria das condições de vida, esses grupos minúsculos e bem articulados encontraram na internet um meio de acesso a grandes contingentes, com livre atuação e anonimato, necessário à pregação panfletária.
A identidade fluida permite as interconexões, ligadas por objetivos semelhantes e causas com baixo grau de identificação popular, que pedem o anonimato e exige atuação perversa e fugaz, possibilitando ao adepto ser monarquista, integrar uma organização ultraconservadora, gestionar em nome do bispo – igualmente pálido – de uma arquidiocese e liderar uma cruzada pré-moderna, baseada em pureza moral e reduzindo a campanha a um tema, sem perder o estilo caricatural.
A central de calúnias e difamações reuniu gente com este perfil, retroalimentou radicais afeitos às sombras, reuniu viúvas de ‘endireitados’ de todos os matizes, financiados pelas elites econômicas, descendentes dos que mantiveram a escravidão por quase quatro séculos, lucraram com regimes ditatoriais, projetaram jornalistas de traço lacerdiano, de moral ‘tradicional’ e disposição para tratos de botequim.
Integrantes do submundo açambarcaram a influência do nome de instituições confiáveis, como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), e continuaram difundindo o panfleto em seu nome, mesmo depois do protesto público, em vídeos e mensagens eletrônicas, impressos e reverberados, após ser desmascarado como simulacro de documento da igreja.
Numa campanha de segundo turno, surgida da aposta na terceira colocada para projetar o segundo, obtida com a falta de apenas 3,1% de votos e enevoada por temas esdrúxulos como o aborto, escândalos republicados pelo comando editorial, e debates políticos que poderiam ser censurados a jovens de 16 anos, pelo grau de violência explícita. A tal ponto que o líder luterano Walter Altmann denunciou a demonização “das acusações oportunistas ou temáticas diversionistas” e o teólogo católico Leonardo Boff referiu-se “à guerra santa como estratégia para evitar a discussão sobre o Brasil”.
No entanto, algo positivo também se mostrou. Diferente de outros tempos, a população mais simples demonstrou – “como nunca antes na história desse país”, para lembrar frase célebre – uma perturbadora tranquilidade, clareza de objetivo e, até então, incrível capacidade de resistir às provocações. Um desaforo às elites e seus desgovernos. Um acinte, só possível a quem teve um governo que o tratou com algum respeito. Ao que parece, essa gente simples e trabalhadora aprendeu a resistir. Somou à consciência, consistência. Aprendeu a discordar dos grandes poderes. Por isso, a reação é irascível.

Fonte: Agência Latino-Americana e Caribenha de Comunicação (ALC), 28 de outubro de 2010

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