O que temos neste espaço:

O processo eleitoral no Brasil chegou ao fim. Nesta etapa pós-eleições, este blog continuará acompanhando as análises e desdobramentos da participação dos evangélicos (e da dimensão religiosa) no pleito 2010.

domingo, 7 de novembro de 2010

Boca de urna do Ibope: Entre mais pobres, Dilma teve 26 pontos de folga; entre os Evangélicos apenas 4%

Por AE, Agência Estado
Na votação do último domingo, a petista Dilma Rousseff teve 26 pontos de vantagem sobre o tucano José Serra no eleitorado mais pobre, com renda de até um salário mínimo. Dilma também venceu por larga margem entre os eleitores católicos, mas praticamente empatou com o adversário entre os evangélicos.
Esses e outros detalhes do capítulo final da história da campanha presidencial de 2010 só podem ser conhecidos porque o Ibope, além de sua tradicional pesquisa de boca de urna, realizou no dia da votação uma segunda sondagem domiciliar, com 3.010 eleitores, perguntando não apenas seu voto, mas também, sua renda, religião, escolaridade e cor.
Os números mostram que houve empate - ou vantagem mínima para um dos lados - nos segmentos de mais alta renda e escolaridade. A diferença pró-Dilma se deve ao comportamento dos mais pobres. Na faixa de renda familiar que vai até dois salários mínimos, a candidata do presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve quase 10 milhões de votos a mais que Serra - mais de 80% da vantagem total que abriu sobre o tucano, de aproximadamente 12 milhões de votos.
Dilma venceu entre mulheres e homens, mas com margem maior entre eles do que entre elas. No segmento masculino, a petista teve cerca de 8,6 milhões de votos a mais que o adversário, segundo projeção feita a partir de dados do Ibope. Já as eleitoras deram 3,4 milhões de votos de vantagem à primeira mulher eleita para governar o Brasil.
Em um segundo turno marcado por discussões de fundo religioso, eleitores de diferentes orientações mostraram comportamentos distintos nas urnas.
Os católicos preferiram Dilma por um placar de 58% a 42%. Já entre os evangélicos a pesquisa apontou um resultado de 52% para a petista e 48% para o tucano - como os números estão no limite da margem de erro, não é possível saber quem ganhou, apenas que o vencedor teve margem bastante apertada.
A segmentação do eleitorado por cor indica um placar muito próximo entre os eleitores que se denominam brancos: 52% para Dilma e 48% para Serra. Entre negros, a petista venceu por 30 pontos de vantagem (65% a 35%), e entre pardos, por 20 (60% a 40%). As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

A investida do timbre religioso

Existe física cristã ou álgebra muçulmana? O 'surto de fé' que abala candidatos e contamina campanhas não fica só na política
Por Sérgio Augusto
Foi duro de aguentar, mas acabou. Aleluia!
Com o fim da propaganda eleitoral acabou também a tartufaria, a inacreditável guerra santa entre Dilma Rousseff e José Serra, o show de contorcionismo ideológico e oportunismo político em que se transformou o segundo turno das eleições presidenciais. Noves fora a escolha dos dois vices, a deslavada guinada religiosa de Dilma e Serra foi o ponto mais baixo de uma campanha com muito Jesus no coração e poucas questões relevantes sobre a mesa.
O aborto é uma questão relevante, mas não sei se mais importante e urgente que a educação, a economia, o meio ambiente e outros tópicos negligenciados ou ignorados pelos dois candidatos, que, de olho no butim eleitoral de Marina Silva, se renderam a uma demagógica disputa para ver quem era mais cristão, mais devoto, mais "a favor da vida". Pareciam concorrer à sucessão de Bento XVI ou do Bispo Macedo, não à Presidência da República.
A pantomima diversionista já definhava, na reta final da campanha, quando o papa entrou em cena, com um conselho aos católicos brasileiros: não ajudem a pôr no Planalto quem defende a descriminalização da prática do aborto. Como o aborto fora insistentemente condenado pela petista e pelo tucano, nas últimas semanas, a tardia e inútil conclamação papal ficou parecendo uma manobra do Vaticano para não deixar o espaço político à mercê da concorrência, uma demonstração de força dirigida aos evangélicos.
Em pleno surto de religiosidade de Dilma e Serra, li, em formato Kindle, o mais novo livro do filósofo e neurocientista Sam Harris, The Moral Landscape (A Paisagem Moral), que acaba de ser lançado nos Estados Unidos pela Free Press. Mais oportuno e inserido no contexto, impossível; principalmente no contexto das eleições americanas da próxima terça-feira, muito mais influenciadas por quizilas religiosas que a nossa.
É uma longa reflexão sobre os limites da religião, qualquer religião, para discutir e regular assuntos de ordem moral e decidir quais valores humanos mais nos dignificam, e uma defesa da autoridade moral da ciência para entender e explicar racionalmente nosso comportamento, nossas maneiras de agir e pensar.
Harris, um dos precursores do Novo Ateísmo, junto com Richard Dawkins e Daniel Dennett, já teve duas obras traduzidas no Brasil: Carta a uma Nação Cristã e A Morte da Fé. Sua intenção desta vez é iniciar uma conversa sobre como a ''verdade moral'' pode ser entendida no contexto da ciência. Por acreditar que a moral é algo indissociável do ''bem-estar das criaturas conscientes'', que o bem-estar depende inteiramente do que acontece no mundo e no cérebro humano, e que as descobertas científicas quase sempre colaboram para ampliar ao máximo o nosso bem-estar, propõe que se reconheçam os cientistas como autoridades também em questões morais. A paisagem do título é um espaço hipotético, com picos (onde o bem-estar é provável) e vales (onde o sofrimento é possível) habitados por distintos modos de pensar e comportar-se, diferentes práticas sociais e códigos de ética, diversas formas de governo etc.
Assim como não existe física cristã ou álgebra muçulmana, não faz sentido que exista uma moral cristã ou muçulmana, provoca Harris. Para ele, as ideias nas quais as religiões trafegam são intrinsecamente divisionistas, repressoras e não raro insensíveis ao sofrimento humano e animal. O homem-bomba nasceu numa mesquita, a mutilação da genitália feminina na Somália tem raízes religiosas, as fogueiras da Inquisição foram bancadas pelo Vaticano.
O Vaticano, insiste Harris, se preocupa mais com a contracepção do que com o estupro. "Isso é uma total inversão de prioridades que desvirtua e amesquinha qualquer discussão moral proposta pela Igreja", cujas práticas, reitera, "não maximizam o bem-estar humano."
Certos valores produzem fatos que podem ser compreendidos e explicados cientificamente. Fatos que transcendem as crenças religiosas e a cultura porque são "fatos de saúde física e mental". Câncer é câncer na Califórnia e no Chade; esquizofrenia é esquizofrenia em qualquer lugar; idem a compaixão e o bem-estar. Com menos vela e mais neurociência e psicologia, acredita o filósofo, saberemos mais sobre nossas emoções, nossos impulsos e os efeitos de leis específicas e instituições sociais nas relações humanas.
Os cientistas não são santos, e Harris tem consciência disso. Já se meteram em inúmeras enrascadas imorais ? justificaram a eugenia da raça, o genocídio, a tortura, o racismo, o colonialismo, a inferioridade da mulher, inventaram armas biológicas, químicas e nucleares, métodos de persuasão para manipular a opinião pública e incentivar o consumo conspícuo, e todo um arsenal tecnológico para controlar as pessoas e a economia ?, mas também nos deram engenhos maravilhosos e instrumentos fundamentais de análise e pesquisa.
Muitos neurobiólogos já estudam a evolução da moral, mas o objetivo de suas pesquisas é apenas descrever como os seres humanos pensam e se comportam, tranquiliza Harris. "Ninguém espera que a ciência nos diga como devemos pensar e comportar. A ciência, oficialmente, não toma partido em controvérsias sobre valores humanos." E que assim continue. Amém.

sábado, 6 de novembro de 2010

A manipulação do aborto

Por Cristiano Aguiar Lopes
Como em um passe de mágica, o aborto tornou-se o grande tema das eleições presidenciais deste ano. Em poucos dias, um assunto para o qual raramente a imprensa volta seus olhares virou a principal pauta de grande parte dos veículos de comunicação, ocupando páginas e mais páginas dos principais jornais e revistas do país. Seria leviano afirmar que o tema foi introduzido na agenda nacional pela equipe de campanha de José Serra – embora o candidato tenha se esmerado em colher seus dividendos políticos. Mas, como mostram dados que levantamos ao longo dos últimos 50 dias – de 1º de setembro a 20 de outubro –, podemos afirmar com absoluta certeza que houve um esforço coordenado e eficiente dos principais jornais e revistas do país para insuflar a polêmica sobre o tema com vistas a um fim eleitoral mais que óbvio: roubar votos de Dilma entre eleitores conservadores contrários à descriminalização do aborto.
Durante estes 50 dias, medimos as menções ao tema "aborto" em 29 publicações – entre elas os jornais O Globo, Folha de S.Paulo e O Estado de S. Paulo; e as revistas Veja e Época. Os dados foram obtidos da resenha diária de jornais e revistas elaborada pela Câmara dos Deputados. Essa resenha privilegia matérias publicadas nas seções "Brasil" e "Política". Se, por um lado, essa mostra pode ter gerado uma sub-contagem do número de menções do termo "aborto", ao não trazer a totalidade das matérias publicadas no período, por outro fez com que essa contagem se focasse em artigos com maior relevância na disputa eleitoral. E, mesmo com essa possível sub-contagem, os números impressionam.


A polêmica e a novidade
Como se pode perceber no gráfico, há um notável desequilíbrio da distribuição das menções ao termo aborto, com dois picos visivelmente pronunciados: em 30 de setembro, com 149 menções, e em 8 de outubro, com 430 menções. Também fica muito visível o timing da publicação de matérias sobre o aborto. A primeira escalada de citações do termo ocorre nos dias 30 de setembro e 1º de outubro, com 149 e 67 menções, respectivamente – estávamos a dois dias do primeiro turno. A segunda se inicia logo depois do dia das eleições: 37 menções em 4 de outubro, 79 no dia 5, 219 no dia 6, 343 no dia 7 e impressionantes 430 no dia 8. Salta aos olhos o objetivo eleitoral desse timing.
A primeira escalada ocorre pouco antes do primeiro turno e tem como objetivo conquistar os votos de indecisos e de dilmistas não muito convictos. A segunda, bem mais intensa, busca transferir para Serra os votos de um grande contingente de eleitores conservadores – sobretudo católicos e evangélicos – contrários à descriminalização do aborto. Bom ressaltar que a segunda escalada ocorre na primeira semana após a realização do primeiro turno, justamente o período em que a maior parte daqueles que votaram em candidatos derrotados decidem o seu voto para o segundo turno.
Corrobora essa tese o fato de que, em uma análise qualitativa preliminar das matérias pode-se notar a construção simbólica de duas forças antagônicas sobre o aborto: Dilma, a ateia, cujas declarações contraditórias revelariam sua verdadeira opinião em favor da descriminalização da prática; e Serra, o religioso, que seria historicamente contrário à descriminalização. Ressalte-se que esta análise qualitativa ainda está sendo realizada, mas os primeiros dados corroboram fortemente a tese da construção desse antagonismo simbólico.
Uma mente mais cética questiona: não poderia ter sido isso uma grande coincidência? O tema aborto não teria entrado em pauta e ganhado tanto destaque simplesmente por um acaso do destino? Uma regra de ouro para um tema entrar ou não em pauta é o seu valor-notícia. E, dentre diversos fatores, dois são fundamentais no cálculo desse valor: a polêmica e a novidade. Caso encontrássemos fatores que dessem ao aborto esse valor-notícia estrondoso, que justificasse uma cobertura mais que intensa da mídia brasileira e justamente em momentos cruciais da definição das eleições, nossa hipótese iria por água abaixo.

Ação que empobreceu o debate
Que há polêmica sobre o aborto, não resta dúvida. Mas, e a novidade? Havia fatos novos que justificassem a publicação de matérias sobre o aborto justamente nesses períodos críticos das eleições? E há valor-notícia que justifique a manutenção de níveis altos de menção ao aborto nesse período entre o primeiro e o segundo turno das eleições? Pelo que pudemos analisar, a resposta é não para todas as questões. O único fato verdadeiramente novo sobre o tema que encontramos na mostra analisada ocorreu em 23 de setembro, no debate entre presidenciáveis organizado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Na entrada do auditório da Universidade Católica de Brasília, onde foi realizado o debate, um grupo de 15 católicos e evangélicos estendeu uma faixa na qual se lia: "Dilma Anticristo, nós cristãos não matamos". Segundo eles, Dilma seria a favor do aborto.
O acontecimento gerou 40 menções ao termo aborto nos jornais no dia 24 de setembro. E só. Pouco se falou sobre o tema nos dias seguintes. Até que, no dia 30/9, houvesse 149 menções ao termo devido à promessa de Dilma de não legislar sobre o tema. A declaração era resposta a uma onda de boatos, que havia se intensificado na internet nos dias anteriores, segundo os quais a petista seria favorável ao aborto. E a partir daí os únicos acontecimentos novos foram especulações ou declarações de ambos os candidatos sobre o tema.
O número de menções ao termo aborto, a falta de elementos jornalísticos que justifiquem tantas matérias sobre o tema e o timing de concentração das menções, que coincidem com momentos críticos das eleições, demonstram que a grande imprensa exerceu um papel fundamental no agendamento do tema aborto, com intuitos eleitorais muito evidentes. A ação da mídia empobreceu e continua empobrecendo o debate eleitoral ao quase centralizar a disputa em um único tema. Perde o eleitor. Perde a opinião pública. Perde o país. Mas ganhamos nós, analistas da mídia, que podemos observar em tempo real e com grande riqueza de detalhes as peripécias que a nossa imprensa anda realizando.

Cristiano Aguiar Lopes é jornalista e consultor legislativo da Câmara dos Deputados. Fonte: Observatório da Imprensa: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=613JDB002

A instrumentalização da religião

Por Paulo Cezar Soares


Mas o que sai da boca vem do coração, e é isso que contamina o homem ( Mt 15.18) Eleição guarda algumas semelhanças com a Copa do Mundo. Além do período em que são realizadas, de quatro em quatro anos, as pessoas passam a falar do assunto, emitem suas opiniões, seus veredictos. Mas a verdade é que a maioria não tem o hábito de acompanhar no dia-a-dia o futebol, nem a política.
Em conversas informais sobre política, certamente você já ouviu comentários do tipo: não vou votar em ninguém; político é tudo farinha do mesmo saco; político é tudo ladrão. Não é verdade. Há uma série de políticos sérios, éticos, que de fato trabalham visando ao bem-estar social do povo. Muitos arriscam a própria vida quando combatem tenazmente o crime, como é o caso, por exemplo, do deputado estadual Marcelo Freixo. Sua atuação parlamentar contra as milícias no Rio de Janeiro é retratada no filme Tropa de Elite 2. Portanto, não convém generalizar. Nem confundir política com politicagem, forma eticamente condenável de atuação política.
Muitos dizem: sou apolítico. Quantas vezes você já ouviu isso? Não existe o cidadão apolítico. Político todos nós somos, de uma forma ou de outra. De forma velada ou não. Política, por definição original "é o conhecimento, a participação, a defesa e a gestão da polis" (cidade-Estado, na Grécia Antiga). Portanto, ser político é algo inerente ao ser humano.
Na verdade, as pessoas que não acompanham a política partidária, são suscetíveis; costumam dar crédito a boatos, factoides e assemelhados. São vítimas fáceis de sofismas.

Canção velha
Tendo como base o perfil dessas pessoas, o candidato tucano à presidência da República, José Serra, aposta todas as suas fichas. Na falta de projetos que sensibilizem o povão, e tendo como adversária uma candidata que representa um governo que mudou a estrutura social do país, imprime um tom agressivo e difamatório na sua campanha. Acusa sem provas e mente quando diz ter sido o idealizador do FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador e do seguro desemprego, importantes projetos de cunho social: o primeiro foi criado pelo ex-deputado federal Jorge Uequed (PMDB-RS), e o segundo por José Sarney.
Na busca desesperada por algum tema que possa melhorar o seu desempenho, Serra trouxe para a campanha o aborto, explorando-o de todas as formas, a exemplo de pastores evangélicos e padres retrógrados e proselitistas, numa clara instrumentalização de uma questão de religiosa e de saúde pública. A questão do aborto, a descriminação das drogas, entre outros temas, não deve ser balizada por nenhum segmento religioso, tampouco ser objeto de análise durante uma eleição. O palco correto é o Congresso Nacional.
O Brasil não é um país teocrático, e sim, laico. Exemplo para o mundo. Em solo brasileiro cidadãos de todas as religiões e nacionalidades convivem na mais perfeita paz e harmonia. Mas para a oposição nada disso importa. Durante um programa ao vivo da TV Canção Nova (da Igreja católica), um padre decidiu dar sua colaboração para a campanha do candidato José Serra. Acusou Dilma Rousseff de "abortista" e contrária aos princípios evangélicos. Pediu aos fiéis que não votem na candidata petista e disse "que o PT é a favor da interrupção de gestações indesejadas." Ressaltou "que poderia ser preso ou morto por causa das suas declarações", como se o PT usasse tais práticas.

Com ética e sem preconceito
Ao invés de proclamar o evangelho do amor, como Jesus nos ensinou, e que certamente o referido padre aprendeu na faculdade de teologia, preferiu usar o púlpito para fazer acusações gravíssimas, de cunho político, sem qualquer base de sustentação. Afirmou também que o PT e sua candidata pretendem "aprovar leis que cerceiem as liberdades de imprensa e religiosa, aprovar a celebração do casamento entre homossexuais, e que têm a intenção de transformar a nação brasileira em nação comunista".
A candidata Dilma Rousseff pediu direito de resposta ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contra a emissora católica Canção Nova.
A despeito da maturidade do processo democrático brasileiro, ainda há aqueles que praticam uma política antiquada e antiética. Não respeitam nada, pois o que importa é ganhar. Maquiavélicos, apelam para a hipocrisia e a difamação. Como vencê-los? Votando com ética e sem preconceito.

Paulo Cezar Soares é jornalista. Fonte: Observatório da Imprensa http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=612FDS009

Imprensa e igrejas, os grandes derrotados na eleição 2010

Por Ricardo Kotscho

Ganhe quem ganhar a Presidência da República já dá para saber quais foram os grandes derrotados desta inacreditável campanha eleitoral de 2010: a imprensa da velha mídia, mais engajada e sem pudor do que nunca, e as igrejas em geral, com amplos setores medievais de evangélicos e católicos transformando templos em palanques e colocando a religião a soldo da política.
Por acaso, são as mesmas instituições que se uniram em 1964 para derrubar o governo de João Goulart e jogar o Brasil nas profundezas da ditadura militar por mais de duas décadas. Como naquela época, os celerados e ensandecidos combatentes das redações e dos púlpitos acenam com novas ameaças às liberdades democráticas, outra vez o perigo vermelho, de novo a degradação dos costumes. Só falta uma nova “Marcha da Família, com Deus pela Liberdade”.
Nem parece que se passou quase meio século, que o Brasil lutou e reconquistou a democracia e vivemos em pleno Estado de Direito um dos mais longos períodos de amplas liberdades públicas de nossa história, com crescimento econômico, distribuição de renda e desenvolvimento social.
Faço esta constatação com muita tristeza, com dor na alma, pois a imprensa e a religião católica são importantes na minha vida desde menino, foram duas instituições fundamentais na minha formação. Sempre tive muito orgulho de ser jornalista e de professar a fé católica. Agora, confesso, que muitas vezes sinto vergonha. Explica-se: sou do tempo de Cláudio Abramo e D. Paulo Evaristo Arns. 
Cursei o ginásio num colégio de padres e, no meu teste vocacional, fui informado de que deveria seguir o sacerdócio. Só não o fiz por causa desta bobagem de que padre não pode ter mulher, ou seja, tinha que ser celibatário. É que já na época gostava muito do chamado sexo oposto e detestava a hipocrisia.
Acabei optando muito cedo por outro tipo de sacerdócio, o jornalismo, profissão na qual comecei com 16 anos, trabalhando em jornais de bairro de São Paulo. Nunca me arrependi. Nestes 46 anos de ofício, passei pelas mais diferentes funções, de repórter a diretor, nas redações de praticamente todas as principais empresas de comunicação do país, com exceção da revista Veja e da TV Record.   
Agora, ancorado aqui na internet com o meu Balaio e na Brasileiros, uma revista mensal de reportagens que ajudei a criar, acompanho de longe esta guerra santa em que se transformou a campanha presidencial, com igrejas, jornalistas, padres e pastores tomando partido fanaticamente a favor de uma candidatura e contra a outra.
Jamais tinha visto nada parecido na cobertura de uma eleição _ tamanhas baixarias, tantos preconceitos, discursos tão vis e cínicos, textos inacreditavelmente sórdidos publicados em blogs e colunas _ desde os tempos em que não podíamos votar para prefeito, governador nem presidente da República.  
No melhor momento social e econômico da história recente do país, chegamos ao fundo do poço na política. O Brasil não merecia isso. O problema é que, qualquer que seja o resultado da eleição, no dia seguinte a vida continua, e um terá que olhar na cara do outro, seja de que partido ou igreja for, leitor, ouvinte ou telespectador. Como sobreviverão estas duas instituições? Com que cara?
Na véspera do golpe dentro do golpe que foi o Ato Institucional Nº 5 decretado pelos militares, em dezembro de 1968, o Estadão publicou o editorial “Instituições em Frangalhos”, e a edição foi apreendida. Agora, pode publicar o que quiser e apoiar o candidato que melhor lhe convier sem correr este risco.  
Orgãos de imprensa e igrejas, jornalistas e religiosos, têm todo o direito de escolher seus candidatos, fazer campanhas por eles, detonar os adversários. Só não podem fingir que são santos e pensar que nós todos somos bobos.


A Igreja Católica nas eleições

Por Robson Sávio Reis Souza
As eleições presidenciais deste ano tiveram dois poderosos partidos que não estão oficialmente registrados na Justiça Eleitoral, mas que foram fundamentais na pauta do debate político, principalmente no segundo turno. O primeiro partido é o da Grande Mídia. A grande imprensa prestou um enorme desserviço à democracia brasileira ao apresentar-se como partido político. Pautou todo o segundo turno da campanha.
Analisando os principais temas do debate entre os dois candidatos, salta ao olhar até de um desatento que toda a temática, principalmente aquela alavancada pela campanha de Serra, foi criada artificialmente pela mídia. Qualquer pessoa poderá fazer um retrospecto do segundo turno a partir da pauta ostensivamente apresentada pelos veículos de comunicação. E neste sentido é lamentável que o renitente "quarto poder", a cada nova eleição, mesmo transmutado em (mentirosa) isenção, continue na frustrada tentativa golpista de determinar os rumos do país, a partir dos interesses escusos responsáveis pela assunção e consolidação da grande mídia nas terras tupiniquins.
O outro partido, objeto desta análise, é o das religiões. Aqui, um recorte específico ao papel da maior das igrejas presente em nosso país, a católica romana, nestas eleições. Dois projetos de Brasil estiveram em jogo no segundo turno das eleições presidenciais. E no interior da Igreja católica grupos antagônicos se evidenciaram durante o processo eleitoral, principalmente no segundo turno.

"Igrejas atreladas aos interesses dos poderosos"
De um lado, estava a Igreja das catedrais: aquela que sempre esteve ligada aos ricos e poderosos. Que aprecia a ostentação e o luxo. Que vive de uma fé desencarnada, exorcizando em rituais pirotécnicos as injustiças cometidas contra a maioria dos miseráveis e excluídos brasileiros. Os setores conformados com as elites opressoras que pregam um deus do conformismo, da resignação, que não se importam com os clamores do povo e estão alheios à opressão imposta pela política neoliberal, pelo capitalismo selvagem, pela cultura do espetáculo – enfim, pela civilização do egoísmo, do individualismo e da morte.
É a igreja que gosta de chamar o povo de "fiel": ovelhas mansas, meio hipnotizadas, sem autonomia, que não têm consciência crítica da realidade e que acham que o reino de Deus só é possível depois da morte. Esse grupo está horrorizado pelo fato de que a maioria dos pobres brasileiros, depois quinhentos anos de submissão político-eclesial, passou a ter voz e vez. Os pobres não carecem mais de certas mediações (intérpretes divinos) que não os libertam; ao contrário, os oprimem. Parte dos membros dessa igreja criticam os programas assistenciais do governo numa paradoxal contradição com a prática desses mesmos segmentos eclesiais que sempre defenderam a esmola – que submete e oprime o pobre, sem libertá-lo e promovê-lo à dignidade de cidadão.
Existem, obviamente, muitos grupos eclesiais intermediários, que oscilam entre a cultura da promoção humana ou do assistencialismo às pessoas. Mas existe uma significativa parte de cristãos católicos, que tem se avolumado, formada pela igreja das capelas: as milhares de pequenas capelas, inacabadas, sem qualquer possibilidade de luxo, espalhadas pelas periferias das grandes cidades, pelos recantos e grotões das áreas rurais.
Os membros desse modelo de igreja defendem um projeto de Reino de Deus que pode ser realizado aqui na terra, protagonizado pelo povo sofrido (aquele mesmo povo que foi liberto pelo Deus de Jesus Cristo da opressão do Egito, como está escrito na Bíblia). Uma igreja a partir da experiência da "vida e morte Severina" – a imagem-síntese das desventuras de nosso povo sofredor. Nesta igreja, o pobre ocupa um lugar epistemológico central; ou seja, o pobre, maioria dos brasileiros, constitui o lugar a partir do qual se articula o conceito de Deus e a missão da igreja no mundo.
Como escreve Leonardo Boff, "a partir da perspectiva do pobre nos damos conta do quanto as atuais sociedades são excludentes, do quanto as democracias são imperfeitas e as religiões e Igrejas atreladas aos interesses dos poderosos" (Dignitas Terrae: grito da terra, grito dos pobres. São Paulo, Ática, 1995).

Um grito retumbante de continuidade
Entre a igreja da cristandade, aquela que mantém estreita relação com os poderosos, e a Igreja dos pobres existe um abismal fosso. Uma cristologia de tipo ocidental e europeu, marcada pelo signo da dominação dos mais fortes e submissão dos fracos, e uma cristologia que procura reinterpretar o Evangelho tendo como referência as injustas situações das maiorias empobrecidas e oprimidas, resultado do capitalismo colonialista e do neoliberalismo econômico que permitem a uma minoria privilegiada, cerca de 20% dos comensais humanos (mesma porcentagem em relação à população brasileira), sentar-se no banquete dos bens terrestres, em detrimento de quase 80% dos filhos de Deus, que clamam por justiça.
Não há porque temer essas disputas e lutas dentro da igreja católica. As divergências entre esses e outros grupos têm aspectos positivos, pois têm propiciado a reinvenção de uma Igreja, no Brasil, que nasce do povo oprimido e sofrido e que, a partir dessa base, pode ser protagonista na construção de uma sociedade mais justa, solidária e fraterna.
O resultado do segundo turno das eleições mostrou, claramente, que a Igreja das Capelas falou mais alto e, democraticamente – em paradoxal oposição ao modelo da Igreja das Catedrais –, prevaleceu sua vontade: seu grito retumbante de continuidade, com mudança.

Roberto Sávio Reis Souza é doutor em Ciências Sociais.
Fonte: Observatório da Imprensa. http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=614FDS002

sexta-feira, 5 de novembro de 2010



Por Edir Macedo

A título de alerta, queremos chamar a atenção dos cristãos sinceros. Cuidado com o ecumenismo disfarçado!
A guerra das eleições acabou. Entre salvos e perdidos, o maior prejudicado foi o Reino de Deus. Isso porque se viu alguns líderes, supostamente convertidos, unindo-se de corpo, alma e espírito à liderança romana em favor do candidato das elites. Se tivessem se entregado ao Senhor Jesus da mesma forma como abraçaram a campanha política, jamais e em tempo algum se submeteriam a tamanha heresia.
A gravidade do problema não está apenas nos interesses pessoais, mas, colocá-lo acima dos interesses do Reino de Deus. O servo de Deus serve a Jesus, não a si mesmo. E, se alguém Me servir, o Pai o honrará. João 12.26. A pergunta que se faz agora, após os resultados da eleição é: cadê a honra dos profetas velhos?
Por conta da vocação, a obrigação do pastor é se sacrificar para conduzir seu rebanho aos pastos verdejantes. Essa é a nossa obrigação diante de Deus e do mundo; não abrir a porta do aprisco e conduzir as indefesas ovelhas para a matilha de lobos.
Posto que miríades de pessoas se aglomeraram, a ponto de uns aos outros se atropelarem, passou Jesus a dizer, antes de tudo, aos Seus discípulos: Acautelai-vos do fermento dos fariseus, que é a hipocrisia. Lucas 12.1

Fonte: Blog Bispo Macedo http://bispomacedo.com.br/blog/

Eleição acirra debate sobre impacto do voto evangélico

Em 2011, bancada evangélica na Câmara passará de 43 a 63 cadeiras
As eleições para presidente chamaram atenção para o peso do voto evangélico no Brasil, mas os fatores que influenciam a decisão dessa faixa de eleitores e a coesão do movimento como força eleitoral despertam opiniões divergentes.
Para o sociólogo Paul Freston, que estuda o papel dos evangélicos na política desde os anos 1980, não existe um voto evangélico coeso. Uma coisa, diz ele, é o discurso de líderes evangélicos. Outra é examinar a maneira de o evangélico comum votar.
"Não é um voto de cabresto. Mesmo quando o pastor é candidato e toda a igreja é mobilizada para votar nele, há casos de derrota fragorosa. Os membros parecem estar obedientes, mas não estão", diz ele à BBC Brasil.
"Estamos falando de pessoas que são cidadãos comuns, têm sua inserção na sociedade. Elas levam em consideração fatores pessoais, profissionais, de família, de classes", enumera Freston, professor da Universidade Federal de São Carlos, em São Paulo, e da Balsillie School of International Affairs, no Canadá.
Na opinião do sociólogo Alexandre Brasil Fonseca, se há coesão, ela vem não do fato de serem eleitores evangélicos, mas sim dos outros elementos que definem a identidade dos grupos - como origem social e capital cultural.
"O espectro evangélico é amplo e inclui diversas tendências e opiniões", diz Fonseca, diretor do Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde (Nutes), da Universidade Federal do Rio de Janeiro. "O fato de os fiéis estarem numa igreja e falarem 'amém' para um pastor não deve ser visto como uma adesão integral."
Pastores
De acordo com levantamento do cientista político Antonio Lavareda, o segmento evangélico representa 25% do eleitorado brasileiro - cerca de 34 milhões de pessoas. E, na avaliação do pesquisador, a influência dos líderes religiosos sobre os fiéis é maior no caso dos evangélicos.
"Pesquisas têm apontado que o contingente evangélico tem maior capacidade de ser influenciado pelos seus bispos e pastores do que o contingente dos católicos", diz Lavareda.
"Temos 62% do eleitorado se dizendo católico, mas padres e bispos da igreja estão longe de terem a influência que os pastores evangélicos têm", compara o cientista político, que é especialista no estudo de processos eleitorais e foi consultor de comunicação nas candidaturas presidenciais de Fernando Henrique Cardoso.
Lavareda diz que a sociedade brasileira é eminentemente religiosa e que o circuito das igrejas sempre foi um instrumento fundamental nas agendas de campanhas.
"Todos os candidatos precisam interagir com as igrejas, frequentar os templos, ser apresentados por padres e pastores aos eleitores. É um ingrediente típico na disputa", afirma.
Na disputa presidencial deste ano, a aproximação com lideranças evangélicas foi uma das apostas das campanhas de Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB), que procuraram participar de missas e cultos e tentaram se identificar como políticos que valorizam a fé.
Ambas as campanhas contam com uma coordenadoria evangélica para dialogar com pastores e buscar apoio em diferentes igrejas. E temas como o aborto e o casamento homossexual se tornaram pontos sensíveis da campanha, com o segundo turno marcado por cobranças por um posicionamento claro sobre esses assuntos.
Debate moral
Na avaliação do diretor do Nutes, o posicionamento em relação a temas sensíveis pode ser decisivo para parte dos evangélicos. "Para este eleitorado, a questão moral tem significativo peso e centralidade na definição do voto."
Já Paul Freston diz que, no Brasil, os eleitores não costumavam decidir o voto com base em uma única questão, ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos - onde é comum o chamado "single issue vote" (voto baseado em uma questão central).
"No Brasil, historicamente, os evangélicos não votam assim, outras questões têm uma importância maior. Ainda é cedo para afirmar, mas isso pode estar mudando", avalia o sociólogo.
A expansão da esfera de influência do eleitorado evangélico do Legislativo para o Executivo é outro fenômeno recente apontado por pesquisadores. Os evangélicos já têm três décadas de tradição em eleger representantes para o Poder Legislativo.
"Influenciar uma disputa presidencial é mais difícil", diz Freston. "Afinal, apesar de serem um grupo grande, os evangélicos são uma minoria."
"Neste ano, tivemos o caso da Marina Silva, a evangélica que chegou mais perto da Presidência até hoje, com quase 20% dos votos", acrescenta o sociólogo. "O fato de ela ser evangélica teve impacto neste resultado. E ela foi discreta, não fez o mesmo uso eleitoral da identidade evangélica que o Garotinho fez em 2002."
Garotinho
Os sinais de influência do voto evangélico em uma disputa presidencial já haviam aparecido em 2002, quando boa parte da votação para a candidatura do ex-governador do Rio Anthony Garotinho (na época, do PSB, e hoje no PR) foi atribuída ao apoio de fiéis evangélicos.
"Garotinho já tinha uma base regional muito forte no Rio e usou sua identidade evangélica para se lançar nacionalmente. E se saiu bem. Ficou em terceiro lugar e quase chegou ao segundo turno", lembra Freston, referindo-se às eleições em que Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito presidente.
Segundo o cientista político Antonio Lavareda, uma pesquisa realizada dias antes do primeiro turno em 2002 indicou que o resultado do pleito poderia ter sido outro se os evangélicos fossem a maioria.
"Garotinho tinha 42% da intenção de votos no segmento, o que o colocaria 15 pontos à frente de Lula, que tinha 27% dos votos do grupo", cita o pesquisador.
Nas eleições do último dia 3 de outubro, Garotinho foi eleito deputado federal com quase 700 mil votos no Rio, a segunda maior votação para o cargo em todo o Brasil.
Outros candidatos evangélicos tiveram votações expressivas no país. A partir de 2011, o número de evangélicos na Câmara dos Deputados passará de 43 para 63, segundo levantamento do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar.

Fonte: O Globo on Line: http://oglobo.globo.com/pais/mat/2010/10/28/eleicao-acirra-debate-sobre-impacto-do-voto-evangelico-922892755.asp

Fonte: O

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Os vencedores das eleições no Brasil: os evangélicos

Candidatos cortejaram o bloco em crescimento por apoio no 2º turno da eleição de Domingo

Por John Lyons, Wall Street Journal

Nota da editora do Blog: Circulam em vários sites brasileiros referências a esta matéria, a partir de uma versão em espanhol, com textos interpretativos. Aqui, a matéria como foi publicada na íntegra, traduzida do original no inglês.

Os brasileiros vão às urnas no domingo (31/10) para determinar seu/sua próximo presidente, mas um grande vencedor nesta temporada eleitoral já emergiu: os cristãos evangélicos.
A ex-Chefe da Casa Civil Dilma Rousseff deve ganhar as eleições, de acordo com a projeção do Instituto Datafolha de 56% contra  44% do ex-governador de São Paulo José Serra. A surpresa é como muito da reta final da campanha neste país predominantemente católico foi moldado por bloco cada vez mais poderoso de protestantes conservadores.
Desde que o Brasil voltou à democracia em 1985, as eleições presidenciais têm sido dominadas por questões econômicas já que o país tropeçava de crise em crise. Temas potencialmente explosivos como a legalização do aborto e o casamento gay eram raros na linha de frente, embora a nação de 190 milhões de habitantes seja frequentemente chamada de “o maior país católico do mundo ”.
Agora, uma campanha de base com sermões, vídeos na internet e DVDs distribuídos principalmente por pastores evangélicos provocaram questões como aborto e casamento gay a entrarem abruptamente na agenda política e forçaram Dilma e Serra a declararem posições. Apoiados por alguns bispos católicos conservadores, os evangélicos mobilizaram pelo menos parcialmente, em resposta à aprovação do governo, no ano passado, de um amplo plano social apoiado pelo partido de Dilma Rousseff que incluía um apelo a maiores direitos aos gays e diretos em relação ao aborto.
A fim de reforçar o apoio entre os conservadores religiosos, tanto Dilma quanto seu rival Serra passaram a se opor ao aborto legal em suas plataformas de campanha. Isto significou para Dilma uma grande guinada para a direita, sendo ela uma ex-guerrilheira marxista que apoiou a legalização do aborto no passado.
“Nós escrevemos um novo capítulo na história da nossa nação”, disse Silas Malafaia, um televangelista brasileiro popular que remeteu mais de 300 mil DVDs em setembro admoestando seguidores a não votarem por candidatos que descriminalizassem o aborto ou estendessem mais proteção legal aos gays.
Na quinta-feira (28/10), o Papa Bento XVI também instruiu um grupo de bispos brasileiros a conclamarem paroquianos a votarem por candidatos que se opusessem à legalização do aborto.
O debate político no Brasil está se ampliando em meio à prosperidade econômica, alguns teóricos dizem. “Questões morais normalmente ficam em segundo plano em relação a questões institucionais e econômicas”, diz Paul Freston, um professor na Universidade Federal de São Carlos que escreveu um livro sobre evangélicos e política no mundo em desenvolvimento. “Isto pode estar mudando, e se está, é ainda mais um sinal de como um processo democrático mais estável, próspero, abre espaço para outras questões”.
O fenômeno ajuda a explicar, em primeiro lugar, porque o Brasil está realizando um segundo turno eleitoral. Dilma tinha se preparado para receber o apoio dos 50% dos eleitores necessários para vencer o primeiro turno das eleições em outubro, fazendo campanha como a sucessora  escolhida pelo  presidente fortemente popular Luiz Inácio Lula da Silva. Mas no dia da votação, Dilma caiu abaixo do limite. Cerca de um milhão de eleitores a abandonaram por razões religiosas, de acordo com a pesquisa do Datafolha. Eles vieram no topo de três milhões de desertores, que citaram como razões de desistência, acusações de corrupção envolvendo uma alta assessora de Dilma.
Muitos eleitores migraram para a candidata de um terceiro partido, temático, Marina Silva, uma evangélica convertida e ex-seringueira da Amazônia, que fez campanha pela proteção do meio-ambiente. Marina ficou em terceiro lugar no primeiro turno, com 19% dos votos. Ela não apoiou nenhum dos dois candidatos que permaneceram na disputa.
Muitos eleitores evangélicos, tipicamente da ampla classe empobrecida, confiam no esquerdista Partido dos Trabalhadores de Dilma, fundado por Lula, no oferecimento de serviços às suas regiões relegadas ao esquecimento. No entanto, com todos os três candidatos expondo prescrições econômicas similares, ficou mais fácil para os eleitores tradicionais do Partido dos Trabalhadores abandonarem o navio.

[Este quadro intitulado “Subindo. O número de protestantes na legislatura está subindo na maior parte do Brasil católico” traz a nota: “A atual legislatura é composta por 513 deputados e 81 senadores. Fontes: Freston, Fonseca; Frente Parlamentar Evangélica]

Douglas Gonçalvez, um funcionário do aeroporto do Rio de Janeiro de 28 anos, que se converteu ao protestantismo evangélico sete anos atrás, diz que ele votou por Lula quatro anos atrás e estava apoiando Dilma. Mas ele mudou depois de um sermão do Pr. Malafaia avisando que Dilma podia legalizar o aborto e expandir os direitos gays. O pregador endossou Serra na televisão.
O conservadorismo religioso pode parecer fora do lugar no Brasil, mais conhecido por dançarinas seminuas girando nos desfiles anuais de Carnaval no Rio. Mas o Rio é também morada de uma ampla comunidade evangélica. E longe do litoral, muito do Brasil são áreas rurais, onde pequenas igrejas estão ao longo de rodovias e caminhões ressoam com imagens reflexivas de Jesus em seus parachoques.
De acordo com muitas estimativas, cerca de 20% dos brasileiros são agora evangélicos – a maioria pertencente a igrejas pentecostais tais como a Assembleia de Deus. Estes estão entre as maiores populações mundiais de evangélicos fora dos EUA.
As igrejas evangélicas estão desempenhando um papel crescente na política brasileira, principalmente apoiando candidatos ao parlamento. Este foi um ano marcante: evangélicos que se autoidentificaram como tal ganharam 50% cadeiras a mais no congresso na eleição de outubro, 71 do total de quase 600 cadeiras. Os membros evangélicos no congresso são frequentemente eleitos por protegerem os interesses de suas igrejas, que controlam grandes redes de televisão e rádio. Eles são politicamente diversificados, apoiando tanto o governo quanto a oposição. Sua influência cresce quando eles se unem para mover todo o debate sobre questões sociais para a direita.
Para Dilma Rousseff, a deserção dos eleitores evangélicos se tornou o primeiro grande teste para a sua habilidade de gerenciar sua coalizão política. Estes apoiadores demandaram clareza nas questões como aborto. Em uma entrevista a um jornal em 2007, ela tinha dito que é um “absurdo” que o aborto seja ilegal, uma afirmação que lhe rendeu muitas apoiadoras feministas. Mas num encontro em 13 de outubro em Brasília com 51 líderes religiosos, ela prometeu que não iria apoiar iniciativas de legalização do aborto. Depois, ela colocou o compromisso no papel.
Numa noite de segunda-feira recente, numa periferia empobrecida do Rio de Janeiro, o Pr. Malafaia disse a 3 mil fiéis que lotavam os espaços de sua congregação da Assembleia de Deus, que Dilma Rousseff tinha mudado sua posição sobre o aborto. A congregação respondeu com gritos de “Aleluia!”.
A mudança de Dilma Rousseff estancou deserções evangélicas. E também desencadeou críticas. Provocou críticas ao fato de que líderes em uma sociedade secular estejam se rendendo a demandas religiosas. “Como nós podemos estar no século XXI, em uma sociedade secular, onde candidatos a presidente devem se submeter a demandas religiosas?” perguntou Lucia Hippólito, uma das comentaristas de rádio com maior público no Brasil.
Para líderes feministas, que esperavam que Dilma Rousseff inaugurasse uma nova era dos direitos das mulheres como a primeira mulher presidente do Brasil, o caso foi um profundo golpe. “Pensei que seria o momento para realmente discutirmos as questões das mulheres, mas não se deu assim”, disse Natalia Mori, codiretora do Cfemea, um dos maiores grupos pelos direitos das mulheres do Brasil.

Escreva para John Lyons: john.lyons@wsj.com

Fonte: Wall Street Journal On Line: http://online.wsj.com/article/SB10001424052702304316404575580052462921346.html?mod=WSJ_latestheadlines(29 de outubro de 2010)

Evangélicos escorregam na baixaria da campanha eleitoral

Por Edelberto Behs

Evangélicos foram usados na campanha eleitoral como “bucha de canhão”, numa guerra que recorreu à retórica que sempre foi muito bem aceita nesse segmento - a luta do “bem” contra o “mal”. A análise é do teólogo e professor Leonildo Silveira Campos, da Universidade Metodista de São Paulo (Umesp).

A luta contra o aborto, o casamento ou a união entre pessoas do mesmo sexo juntou segmentos conservadores do lado evangélico e do lado católico nestas eleições. A quase totalidade dos 30 milhões de evangélicos brasileiros – há estimativas superdimensionadas que falam em 46 milhões – deixou de ser uma minoria “e passaram a se sentir importantes, numérica e socialmente, impulsionados por uma auto-representação de serem o fiel da balança em tempos de eleições”, avaliou Campos.
Institutos averiguadores das intenções de voto divergem quanto ao papel dos eleitores evangélicos no primeiro turno das eleições presidenciais. Pesquisa do Ibope pós 3 de outubro concluiu que o voto religioso teve papel decisivo para levar o pleito ao segundo turno.
“A queda de Dilma (Rousseff, candidata do Partido dos Trabalhadores – PT) na véspera do primeiro turno começou entre os evangélicos e depois se estendeu aos católicos. O principal motivo foi a campanha em templos e igrejas contra o voto na candidata por causa da legalização do aborto, defendida pelo PT”, escreveu o repórter José Roberto de Toledo, de O Estado de São Paulo, ao analisar a pesquisa do Ibope.
O DataFolha realizou pesquisa no dia 8 de outubro e detectou que apenas 3% dos entrevistados que declararam ter religião receberam orientação da igreja para não votar em algum dos candidatos à presidência da República. É indiscutível, contudo, o mar de votos que a candidata do Partido Verde (PV), Marina Silva, ela própria seguidora da Assembléia de Deus, recebeu do contingente evangélico. Foram 19 milhões de votos!
Segundo o Ibope, Dilma teve o voto de metade dos católicos, mas de pouco mais de um terço dos evangélicos, empatando, no segmento, com o candidato do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), José Serra. Marina levou a eleição para um segundo turno e declarou neutralidade.
Outra análise de José Roberto Toledo e de Daniel Dramati para O Estado de São Paulo mostrou que Marina teve mais de 15% dos votos válidos em 1.003 municípios, concentrados em cidades grandes e médias dos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo.
A concentração de votos da candidata do PV foi acima da média nas capitais e cidades com mais de 100 mil habitantes na Região Sudeste. Segundo o Ibope, nesses locais concentram-se cerca de 51% dos eleitores evangélicos do país.
Além dos evangélicos, Marina recebeu o voto de setores da classe média sensível à agenda ambiental. Agora, nem todos os votos depositados em favor da candidata do PV foram de evangélicos e de católicos. Apoiaram-na 22% de eleitores ateus, agnósticos ou seguidores de outras religiões.
A pergunta é para quem migrarão os votos de Marina Silva no segundo turno? Dilma e Serra flertam com os evangélicos. A candidata do PT prometeu a 51 líderes evangélicos reunidos, no dia 13 de outubro, com ela e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em Brasília, vetar teses polêmicas previstas no Programa Nacional de Direitos Humanos III, dentre elas a discriminalização do aborto.
O senador reeleito pelo Partido Republicano Brasileiro, o bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) Marcelo Crivella, afiançou que “padre e pastor podem ter dificuldade para pedir votos, mas tiram fácil, fácil”. Fato é que a batalha furiosa pelo voto dos evangélicos chegou também aos púlpitos e veículos de comunicação de massa que igrejas desse segmento detêm.
O líder da IURD, bispo Edir Macedo, defende a candidatura Dilma Rousseff. O pastor Silas Malafaia, da Assembléia de Deus, engaja-se na campanha de José Serra. Os dois travam um ferrenho duelo e trocam acusações na internet e em jornais, na defesa dos seus candidatos.
Macedo indagou, no seu blog, o que teria levado Malafaia a trocar de lado nessa eleição. “Para justificar que não apoiaria a candidata Dilma, acusou o PT de ser a favor do aborto e apoiar o casamento de homossexuais. Pronto, o caminho estava aberto para, sabe-se lá com que interesse, apoiar o candidato Serra”, afirmou o bispo Edir, lembrando, ainda, que a esposa do candidato do PSDB, Mônica Serra, teria feito um aborto.
O troco veio com uma postagem de Malafaia no youtube, chamando Macedo de mentiroso e vendido ao governo. “Você tem gasto bilhões, dízimo e ofertas do povo de Deus, que você tem injetado na televisão para promover prostituição, adultério, homossexualismo, sensualidade, assassinato e roubo. Sua TV é um lixo moral”, acusou.
Na entrevista que concedeu ao Instituto Humanitas, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), o professor Leonildo Silveira Campos relatou que em alguns templos evangélicos foi instalado telão às vésperas das eleições de 3 de outubro e o pastor projetou filme com cenas de aborto e outros temas explorados pela nova direita, evangélica e católica.
Quatro denominações – Assembléia de Deus, Congregação Cristã no Brasil, IURD e Evangelho Quadrangular – concentram 80% dos evangélicos brasileiros. “São raros os casos em que um fiel frequente exclusivamente os templos de uma igreja”, escreveu o repórter Diego Viana, do jornal Valor Econômico, na matéria “Andar com fé eu vou”.
Para o historiador André Egg, a migração interna entre igrejas evangélicas é mais relevante do que o diálogo ecumênico entre elas. Na mobilidade também residiria a dificuldade de pastor ou bispo “indicar” em quem o fiel deve votar.
Na avaliação do jornalista Moisés Sbardelotto, mestrando em Comunicação Social pela Unisinos, a discussão religiosa nesse período eleitoral mostrou-se “extremamente reacionária e conservadora, apelando para aspectos medievais de um debate que, no fundo, é do âmbito científico, bioético. A religião acabou se destacando como ‘a porta dos desesperados’ políticos, um último recurso – e totalmente desvirtuado – para a vitória política.”
Sbardelatto não acredita que o tema religioso tenha sido a “pauta definidora” do segundo turno, embora admita que religião é um tema importante na sociedade brasileira, relevante, mas não definidor.
Ele trouxe à discussão pergunta interessante: afinal de contas, de que religião se está falando ao discorrer sobre religião? “Pelo que pude observar, estamos falando apenas de setores específicos das igrejas cristãs, especialmente das evangélicas, neopentecostais e católica. A pauta das religiões de matriz africana, por exemplo, foi debatida ou ao menos ouvida?” – indagou.
Não só a pauta das religiões africanas, de igrejas históricas também. Mais comedidos e cientes da responsabilidade que assumem quando falam em nome de suas igrejas, líderes evangélicos históricos recomendam a análise das propostas dos candidatos e dos seus partidos, enfatizando que o voto é livre e deve ser depositado segundo a consciência do eleitor.
O pastor Sandro Amadeu Cerveira, da Segunda Igreja Presbiteriana de Belo Horizonte, confessou que talvez tenha falhado nessas eleições, porque ele ficou com a impressão “de ter feito pouco para desconstruir ou pelo menos problematizar a onda de boataria e os posicionamentos ‘ungidos’ de alguns caciques evangélicos”.

Fonte: ALC Notícias http://www.alcnoticias.net/interior.php?lang=689&codigo=18236

O Papa falou em democracia?!

Por Católicas pelo Direito de Decidir

O Papa em sua última declaração, dirigida diretamente aos bispos brasileiros afirmou que os projetos políticos que contemplam a descriminalização do aborto ou da eutanásia traem o ideal democrático. Esse é o mesmo Papa que quando responsável pela Congregação da Doutrina da Fé, condenou a Teologia da Libertação por considerá-la "política".

Nossa perplexidade:  Como o chefe maior de uma Igreja que segue mantendo uma estrutura pré-moderna, piramidal e patriarcal pode falar em democracia? Como cobrar democracia dos Estados e líderes políticos, se a Igreja Católica ignora as vozes de seus/as fiéis que há tempo vem pedindo o direito de escolher seus bispos? Só é eficaz a exigência da democracia por parte de quem a vive como um ideal.

Democracia inclui o direito de opinar sobre os temas de interesse coletivo. No debate democrático se constroem posições de consensos ou se mantém o dissenso, mas todos/as têm o direito de falar. O Papa, assim como o Rabino, a Mãe de Santo, o Pastor, o Monge Budista e todos/as representantes religiosos devem ser ouvidos e tratados com igual importância. Falar, orientar seus fiéis ou quadros religiosos, não significa tornar-se impositivo, e infringir a lei para disseminar suas idéias, desde que essas orientações dirijam-se unicamente aos fiéis daquela igreja. Mesmo assim, há que respeitar a liberdade de consciência de cada cidadão/ã que deve votar a partir de suas próprias convicções. A escolha cidadã não pode ser tutelada. O bispo de Guarulhos, D. Luiz Bergonzini infringiu os princípios democráticos, a laicidade do Estado ao divulgar os 2 milhões de panfletos contra a candidata do atual governo. Tentou interferir diretamente na consciência eleitoral da população católica.  No Brasil há mais de cem anos, vivemos um regime de separação entre igreja e Estado, isso deve ser respeitado. Será que o bispo D. Luiz Bergonzini agiu de forma democrática?  O Papa entende que isto é democracia?

Há questões que correspondem tão somente aos/às cidadãos/ãs de um país. Eleição é uma delas. Trata-se de um princípio tão fundamental e "sagrado" da democracia que organismos como a ONU enviam seus representantes para que zelem pela retidão de processos eleitorais em países fragilizados do ponto de vista da democracia. Como pode então um chefe de outro Estado, que também é chefe religioso de uma igreja interferir em processos políticos do nosso país? Trata-se de um caso de desrespeito total à laicidade  do Estado!

O Papa também fala da promoção do bem comum. Quais são os critérios e valores utilizados para definir o "bem comum"?  Diminuir o índice de mortalidade materna provocado por abortos clandestinos e inseguros não faz parte do "bem comum"?

Nós, Católicas pelo Direito de Decidir - parte desta Igreja formada pelo povo de Deus-  vimos a público manifestar nossa divergência com a orientação papal. Afirmamos nossa fé, e entendemos que ser  católico/a é ser fiel à própria consciência, um chefe religioso não pode interferir na liberdade de consciência. Esse é um princípio básico do Cristianismo.  Jesus também falou aos homens do templo, não se conformou com os hábitos e vícios da hierarquia judaica e é a Ele, que nós seguimos. 

Fonte: Católicas pelo Direito de Decidir
http://www.catolicasonline.org.br

sábado, 30 de outubro de 2010

Para não perder de vista

A definição das eleições 2010 se aproxima. O lugar da religião nunca foi tão ressaltado. Para não perder de vista as motivações que geraram a construção deste blog, leia: http://evangelicoseleicoes2010.blogspot.com/2010/10/neste-outubro-2010-olhar-para-o-passado_6828.html

Magali do Nascimento Cunha

A mais religiosa de todas as campanhas

Por pressão principalmente das igrejas, questões como o aborto e a união estável homossexual ganharam este ano relevância nunca vista em eleições anteriores

Por José Maria Mayrink, O Estado de São Paulo

Por menos que tenham pesado nos resultados das eleições - um dado a ser ainda analisado - temas religiosos tumultuaram a campanha para a Presidência da República. A religião, que em outras ocasiões entrou no debate por iniciativa do episcopado católico, subiu ao palanque e invadiu a internet em 2010 por pressão de cristãos de várias igrejas, com a introdução de questões como o aborto e a união estável de homossexuais. Bispos e pastores encamparam a discussão, mas a sugestão partiu das bases, para forçar os principais candidatos, Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB), a se definirem. Na quinta-feira, Bento XVI endossou indiretamente essa posição, falando a bispos brasileiros em Roma, aos quais aconselhou orientar os eleitores a rejeitar pelo voto candidatos e partidos favoráveis ao aborto e à eutanásia.
"Esse discurso do papa é uma ingerência direta nos negócios do Brasil, o presidente Lula deveria reclamar com o Vaticano", reagiu Reginaldo Prandi, professor aposentado do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP). Ao analisar a introdução do tema religioso nas eleições, ele afirma que "as igrejas puseram o aborto na campanha e os marqueteiros caíram na esparrela, acolhendo uma questão que não é assunto para presidente da República, mas para deputados, em eleições proporcionais". Para o sociólogo, "o catolicismo perdeu a noção de consciência social e apelou para temas morais, como o aborto e a união homossexual, porque não tem o que dizer".
Prandi achou ridículo Dilma e Serra terem ido a Aparecida, por ocasião da festa da Padroeira do Brasil, "porque candidato não tem de pedir a bênção de bispo nem da Santa". Para o sociólogo, "religião não é uma aliada confiável nessas circunstâncias e, como existem várias religiões, os presidenciáveis devem ter irritado os evangélicos, que baniram a devoção a Nossa Senhora de suas vidas". Ao analisar os números do primeiro turno, Prandi chega à conclusão de que o debate em torno de temas religiosos não foi a causa, mas um elemento desestabilizador para Dilma não ter vencido em 3 de outubro. "A religião tumultuou a campanha, e isso foi interessante", observou.
"A religião sempre teve importância nas eleições, sobretudo a Igreja Católica, mas este ano surgiu um fato novo, o ativismo religioso de grupos ou segmentos que, ao defender a vida e condenar o aborto, vetaram candidatos e partidos, recomendando aos fiéis que não votassem neles", disse a socióloga Maria das Dores Campos Machado, professora da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Chama a atenção, diz, a ênfase dada a um tema moral, em contraste com campanhas passadas, quando as preocupações eram a pobreza, a fome e a justiça social, plataformas dos militantes das CEBs (Comunidades Eclesiais de Base), que estavam nas origens do PT.
O debate sobre aborto, na avaliação de Maria das Dores, levou a uma queda de braço que não se via nas últimas décadas, não só entre bispos da Igreja Católica, mas também entre líderes evangélicos. "Essa discussão é nociva, porque me parece marcada pelo fisiologismo e pela troca de favores", adverte. "As igrejas se dividem e disputam espaço no plano regional, ao declarar apoio pragmático a um candidato."
Fundamentalismo. Outro sociólogo, Luiz Alberto Gomez de Souza, diretor do Programa de Estudos Avançados em Ciência e Religião da Universidade Cândido Mendes, no Rio, acha que houve uma valorização excessiva do tema religioso e uma instrumentalização dessa questão por grupos fundamentalistas. "Nunca houve, em eleições anteriores, essa polarização que se viu agora, nem mesmo quando a Igreja Católica condenava candidatos favoráveis ao divórcio, como o senador Nelson Carneiro (autor e defensor do projeto)", observou o sociólogo. Em sua avaliação, foi negativo cobrar dos candidatos uma definição pessoal em relação ao aborto, porque "no mundo moderno e leigo em que vivemos, isso é fazer confusão entre fé e política".
É diferente a opinião do presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), d. Geraldo Lyrio Rocha. Ao falar sobre a polêmica criada pelo bispo de Guarulhos, d. Luiz Gonzaga Bergonzini, e outros bispos que recomendaram aos eleitores não votar em Dilma, ele declarou, em Brasília, que o aborto não poderia ter ficado fora do debate eleitoral. A CNBB não citou nomes de candidatos, preferindo aconselhar os católicos a escolher pessoas comprometidas com a defesa de valores éticos, entre eles a defesa da vida, mas reconheceu o direito de um bispo se pronunciar da maneira que quiser, em sua diocese.
"D. Geraldo Lyrio tomou uma posição equilibrada, de acordo com a tradição do episcopado de não apoiar ou vetar candidatos, mas de falar em princípios", elogiou o padre José Oscar Beozzo, historiador e teólogo. Mesmo quando o cardeal Joaquim Arcoverde, arcebispo do Rio, tentou, sem sucesso, criar um partido em 1915, a Igreja limitou-se a dar orientação geral. Em 1933, a Liga Eleitoral Católica apoiou a instituição do voto feminino, então restrito às viúvas e às desquitadas, e fez campanha pelo alistamento de eleitores, arregimentados à porta dos templos. Em 1946, os bispos combateram comunistas e divorcistas, sem citar nomes.
A novidade da campanha de 2010, segundo Beozzo, foi ter entrado em cena um lobby contra o aborto, "fazendo dele a questão única por influência dos movimentos Pro Vida e Opus Dei, como se fosse essa a posição oficial da Igreja". Esse equívoco provocou um racha no episcopado, como não se via desde 1968, "quando um grupo de bispos pediu ao presidente Costa e Silva que interviesse na CNBB para banir os comunistas do episcopado". Em vez de vetar candidatos supostamente favoráveis ao aborto, sugere o teólogo, os bispos deveriam dar aos fiéis a liberdade de tomar posição de acordo com sua consciência.

Líderes religiosos são a favor de orientar fiéis

Maioria defende aconselhamento indireto, que ofereça parâmetros morais para avaliação de candidatos, e liberdade para que cada um faça sua escolha

Por Amanda Romanelli e Alexandre Gonçalves - O Estado de S.Paulo

Representantes religiosos ouvidos pelo Estado coincidem em um ponto: consideram positivo orientar os fiéis em matéria política. Mas a maioria defende uma orientação indireta. A religião serviria para oferecer os parâmetros morais usados na avaliação dos candidatos. Depois, cada fiel eleitor realizaria sua escolha com liberdade.
Em alguma medida, concordam com a linha oficial adotada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Na quinta-feira, o papa Bento XVI recordou aos bispos brasileiros "o grave dever de emitir um juízo moral, mesmo em matérias políticas", sublinhando, no entanto, a liberdade e responsabilidade de cada fiel.
"A única diretriz é que (as pessoas) expressem com coerência a fé em todas as circunstâncias da vida", explica o padre Gregório Teodoro, da Catedral Metropolitana Ortodoxa de São Paulo. Ele afirma que as igrejas da comunhão ortodoxa não costumam apoiar candidatos, mas procuram difundir valores cristãos. De modo indireto, tais valores orientam as escolhas dos fiéis.
Não há unidade de posição nas igrejas evangélicas. As igrejas históricas costumam concordar com a linha adotada por ortodoxos e católicos. A Igreja Metodista, por exemplo, elaborou a cartilha do voto ético, assinada pelo presidente do Colégio Episcopal, bispo João Carlos Lopes. O documento condena os votos em branco e nulo. Proíbe também qualquer propaganda política durante cultos. E orienta a não votar em candidatos apenas por que são evangélicos. "Procurem identificar nos políticos propostas que se harmonizam com as nossas."
A cartilha chama atenção para a credibilidade de Lula, os avanços sociais e econômicos. Ao mesmo tempo, cita escândalos de corrupção e a recente aprovação da Lei da Ficha Limpa.
Algumas igrejas, no entanto, apoiam formalmente os candidatos. A Igreja Universal do Reino de Deus, por exemplo, manifestou apoio oficial à candidatura de Dilma Rousseff. Já o pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus, apoia José Serra.
De acordo com Geraldo Campetti, diretor executivo da Federação Espírita Brasileira, a proposição política não faz parte das reuniões que ocorrem nos centros. "Não há orientação direta. Cada um tem a sua consciência. Como o voto é secreto e universal, cada um tem o direito de escolher o próprio candidato de acordo com seu livre arbítrio."
Já a União Nacional das Entidades Islâmicas (UNI) não só orienta os fiéis como recomenda o voto em Dilma. "Existe uma recomendação da UNI que se vote na continuidade", diz o xeque Jihad Hassan Hammadeh, presidente do conselho de ética da UNI. "As pessoas são livres, mas vemos muitas opiniões favoráveis a Dilma. Deixamos as mesquitas abertas para que os candidatos pudessem expor seus programas." O xeque explica que religião e política não são assuntos dissociados na comunidade islâmica. "Nós seguimos o seguinte princípio: a religião rege a vida do muçulmano em todos os seus aspectos. O xeque é um líder religioso e também político."
A monja Coen, adepta do zen-budismo, define a política como o momento maior para pensar o bem comum. Na eleição, segundo ela, "é preciso avaliar as propostas para ver quais correspondem aos seus valores e propostas de vida".
Fonte: O Estado de São Paulo, 30 de outubro de 2010. http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20101030/not_imp632081,0.php